PEC 369 viola liberdade e autonomia sindical
O governo entregou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 369, visando à reforma Sindical.
A CUT e o PT, pelo menos em palavras, sempre defenderam a Convenção 87 da Organização Nacional do Trabalho (OIT), que garante a liberdade e autonomia sindical. Reivindicando-a, sempre condenaram o modelo sindical coorporativo iniciado no começo dos anos 30 e consolidado na Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, e na CLT de 1943.
A exigência de ratificação da Convenção n0 87 da OIT é uma reivindicação histórica do movimento sindical combativo no Brasil. Duras críticas foram feitas a governos anteriores por não ratificá-la.
Com Lula no governo, esperava-se que isso mudasse. Mas o projeto de reforma Sindical desenhado na PEC vai no sentido oposto, retrocedendo o pouco que havia se avançado na Constituição de 1988.
Uma antiga manobra de redação
A redação do texto de abertura do artigo 80 da PEC afirma que fica “assegurada a liberdade sindical”; mas, como veremos, isso não garante absolutamente nada. Aliás, essa forma de colocar a questão não é nova.
A Constituição de 1937, que deu amparo ao modelo sindical corporativo da CLT, por ironia, trata o tema de forma bastante semelhante. Na abertura do seu artigo 138, já afirmava: “a associação profissional ou sindical é livre”. Em seguida, explicita o que se entende por liberdade: “somente o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem direito de representação legal”.
Basta verificar, por exemplo, a redação dos incisos I e II da atual PEC 369 (ver quadro) para se concluir que a comparação que estamos fazendo não é nenhum exagero.
O Estado volta a intervir na organização sindical
A redação do incisivo I afirma que “o Estado não poderá exigir autorização para a fundação de entidade sindical”, mas nada impede que a “Lei” venha a fazê-lo, já que agora ela ficou de fora dessa proibição. A intervenção do Estado na vida sindical fica mais clara quando, ainda nesse inciso, proíbe a “interferência e intervenção do Estado nas entidades sindicais”, mas passa a permitir “na organização sindical”.
Não é por outro motivo que a nova redação do inciso II exige que as entidades sindicais cumpram os requisitos de representatividade, participação e agregação se quiserem obter a personalidade sindical, que agora passará a ser autorizada pelo Ministério do Trabalho (MTb).
Trata-se de um claro retrocesso, já que, pela Constituição de 1988, restou ao MTb a competência meramente cadastral, uma vez que o registro não implicava em autorização. Volta-se a adotar algo semelhante à antiga Carta de Reconhecimento (“Carta Sindical”), prevista na Seção II da CLT, pela qual o MTb conferia o reconhecimento governamental à entidade sindical.
O monopólio das centrais A nova redação acaba com a unicidade sindical – unidade imposta por lei e não pela vontade dos trabalhadores – prevista no inciso II da Constituição de 1988 como requisito para a criação dos sindicatos. O governo pretende colocar no seu lugar a pluralidade sindical. Em consonância com a Convenção 87 da OIT, seria de se esperar que agora nenhum requisito passasse a ser exigido. Mas, como já citamos, o inciso II exige que a entidade tenha como um dos requisitos a “agregação”. Ou seja, a entidade deve se agregar (filiar ou vincular) a outras entidades de distintos níveis (nacional, regional ou local) e âmbitos (categoria, ramo de atividade etc.).
Essa exigência fica mais clara se observarmos a redação do novo inciso VI, em que o princípio da livre associação só é aplicável em relação à filiação do trabalhador ao sindicato e não entre as demais entidades sindicais, quando se conclui, por exemplo, que um sindicato poderá ser obrigado a se filiar a uma Central se quiser ter o reconhecimento sindical.
Então, embora se fale em acabar com o monopólio sindical com o fim da unicidade sindical, vê-se que se instaura um novo tipo de monopólio ainda maior, agora encabeçado pelas centrais sindicais.
Arrecadação sindical
Desde os primórdios da CUT, muito se criticou as contribuições obrigatórias como uma das formas de atrelamento do sindicato ao Estado.
O inciso VI da PEC acaba com as contribuições obrigatórias impostas por lei (a contribuição sindical, a contribuição confederativa e a contribuição assistencial), mas estranhamente as substitui por outra.
Assim, também nesse inciso, cai por terra o discurso do governo de que a PEC é uma modernização da estrutura sindical getulista. Na verdade, é uma continuidade com outra roupagem. Conclusão Todos os incisos comentados permitem concluir que a nova PEC representa uma clara violação à Convenção n0 87 da OIT que diz em seu artigo 20 que “Trabalhadores e empregadores, sem distinção de qualquer espécie, terão direito de constituir, sem prévia autorização, organizações de sua própria escolha”.
A PEC, longe de representar uma “modernização” na organização sindical é, em vez disso, um claro retrocesso. A pluralidade sindical por si só não significa liberdade e autonomia sindical. São coisas distintas, e aquela sem essa gera uma nova forma de monopólio sindical. Só que agora piorado: abarca todos níveis e âmbitos, só podendo existir com a autorização do governo. Não é por demais concluir que a reforma é no fundo um novo corporativismo a serviço do neoliberalismo e da flexibilização dos direitos trabalhistas.
Algumas mudanças da PEC 369 em relação à organização sindical
Redação Atual da Contituição
Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
I – a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;
II – é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;
V – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
Redação com a PEC nº 369/2005
Art. 8º. É assegurada a liberdade sindical, observado o seguinte:
I – o Estado não poderá exigir autorização para fundação de entidade sindical, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção nas entidades sindicais;
II – o Estado atribuirá personalidade sindical às entidades que, na forma da lei, atenderem a requisitos de representatividade, de participação democrática dos representados e agregação que assegurem a compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva;
IV – a lei estabelecerá o limite da contribuição em favor das entidades sindicais que será custeada por todos os abrangidos pela negociação coletiva, cabendo à assembléia geral fixar seu percentual, cujo desconto, em se tratando de entidade sindical de trabalhadores, será efetivado em folha de pagamento;
VI – ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato;
Em síntese;
A PEC da reforma sindical altera os artigos 8º, 11 e 37 da Constituição, e, em linhas gerais, propõe:
1) liberdade e autonomia sindical, na forma da lei observando os princípios constitucionais
2) proibição de o Estado exigir autorização para a função de entidade sindical, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção nas entidades sindicais;
3) adoção de critérios de representatividade, liberdade de organização, democracia interna e respeito aos direitos de minoria tanto para criação quanto para funcionamento de entidade sindical;
4) direito de filiação às organizações internacionais;
5) prerrogativa de as entidades sindicais promoverem a defesa dos direitos e interesses coletivos e individuais no âmbito de representação, inclusive em questões judiciais e administrativas;
6) desconto em folha da contribuição de negociação coletiva, que substituirá a sindical, a ser fixada em assembléia geral, além da garantia de mensalidade dos associados da entidade sindical;
7) princípio de que ninguém será obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a entidade sindical;
8) obrigatoriedade de participação das entidades sindicais na negociação coletiva;
9) direito de o aposentado filiado votar e ser votado nas entidades sindicais;
10) representação dos trabalhadores nos locais de trabalho, na forma da lei;
11) vedação de dispensa do empregado sindicalizado que registrar candidatura a representação ou direção sindical, salvo por falta grave;
12) direito de negociação coletiva e de greve no serviço público, nos termos de lei específica. Comparando com a atual estrutura sindical prevista no artigo 8º da Constituição, a proposta traz as seguintes inovações:
1) remete para a lei a regulamentação dos preceitos constitucionais em matéria sindical, inclusive no que diz respeito à abrangência do poder de negociação, dando ampla liberdade ao legislador para desenhar o modelo de negociação e de organização sindical, desde que não contrarie os enunciados do texto constitucional modificado;
2) institui o critério de representatividade, de liberdade de organização, de democracia interna e de respeito aos direitos de minorias, o que poderá ensejar, na lei e no próprio estatuto, a proporcionalidade de chapas na direção sindical;
3) autoriza a instituição da pluralidade sindical, desde que respeitados os critérios previstos no item anterior;
4) elimina o conceito de categoria profissional e econômica, sem instituir ramo ou qualquer outro conceito, podendo a entidade sindical representar apenas e exclusivamente seus associados;
5) acaba com a unicidade sindical, com o sistema confederativa e com a contribuição sindical compulsória;
6) reconhece as centrais como entidades sindicais, podendo, nos termos da lei sindical, se estruturar organicamente, criando suas confederações, federações e sindicatos;
7) reconhece, nos termos de lei específica, o direito de negociação e de greve dos servidores públicos;
8) deixa para a reforma do judiciário a definição do papel da Justiça do Trabalho, inclusive a eliminação do chamado poder normativo;
9) mantém inalterado o texto sobre o direito de greve, com mantendo a possibilidade dos líderes sindicais responderem penal e civilmente por eventuais abusos no exercício do direito de greve.
O texto é genérico o suficiente para permitir dezenas de interpretações, podendo a lei sindical definir a nova estrutura com amplas possibilidades de desenhos, inclusive a recepção integral do anteprojeto elaborado no âmbito do Fórum Nacional do Trabalho "que dispõe sobre o sistema de relações sindicais e dá outras providências"